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sábado, 18 de junho de 2016

DESEJOS


Traga-me o mar e as rendas das canoas. Traga-me o chá de ervas que colore as mãos depois do abraço. Traga-me os ombros na véspera do sol. Traga-me a cabeleira de astros e a lareira de grilos. Traga-me a glória do limo e os degraus dentro da estante. Traga-me um rosto surpreso e o gancho da porta para pôr o casaco. Traga-me um pensamento que não foi sentimento. Traga-me o visco mais duro, o céu inconformado, o verde aposentado. Traga-me teu sotaque de praia, teu dialeto de inverno. Traga-me tuas notícias sem jornal, a ambulância da brisa. Traga-me os insetos em frascos e a boca aberta de espanto. Traga-me o ritmo das cartas sendo embaralhadas. Traga-me teu álbum de fotos e as figurinhas repetidas para trocar. Traga-me a conversa de corredor, a porta observada. Traga-me o filho no colo, a carícia dos ouvidos. Traga-me as frutas do pé e a horta do fim da casa. Traga-me as jóias falsas para as pedras disputarem corrida no piso. Traga-me a caridade ainda não descontada, a insatisfação aumentando. Traga-me os milagres que não aconteceram, a garrafa de água. Traga-me a renúncia, as gramíneas em caixotes, a colher do violão. Traga-me o medo da escada em caracol, as tampas de vidro dos perfumes. Traga-me teu nome do meio, a escritura do pessegueiro. Traga-me o cheiro da cidade natal, o estojo de linha e agulha. Traga-me o sótão de teus livros, a letra mais arisca. Traga-me teus problemas incomunicáveis. Traga-me a indulgência infantil ao açúcar. Traga-me o animal de estimação de seus cinco anos e sua desaparição repentina. Traga-me o perdão ao teu pai e à mãe, o pomar das gavetas. Traga-me a manhã depois de ter amado à noite. Traga-me a noite depois de ter odiado à tarde. Traga-me areia fora da ampulheta, o resto de música que fica no copo. Traga-me tua risada, a loucura, o palavrão. Traga-me alguma senha esquecida, algum pente esquecido na bolsa. Traga-me a aparência de quem não chegou a tempo. Traga-me a Bíblia marcada com fita de cabelo. Traga-me os mistérios gozosos. Traga-me a salvo o ainda que não abrimos juntos.(Fabrício Carpinejar)

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