"Apesar do medo, escolho a ousadia. Ao confronto das algemas, prefiro a dura liberdade. Voo com o meu par de asas tortas, sem o tédio da comprovação. Opto pela loucura, com um grão de realidade" Lya Luft
sábado, 11 de janeiro de 2014
EU INVENTO VOCÊ
Não fala nada, não… chega assim como a brisa. Me beija o rosto como o sol beija o mar, ou como o Banderas beijou a Zeta Jones naquele filme… serve também. Não precisa ficar pra sempre, mas passa por aqui antes do próximo abril, antes do fim do inverno, antes do gelo derreter, da neve ferver. Chega depois que a lua aparecer, nova, cheia ou crescente, mas, por favor, não chega minguante.
Enrola meu cabelo nos teus dedos, depois me pede para eu deixar ele crescer outra vez, mas diz que eu fico bonita também de cabelo curto, que eu fico linda de qualquer jeito, até quando eu acordo de uma noite não dormida porque o barulho da minha inquietação me despertou e me arrancou do meu sono outra vez. Mente pra mim. Vez ou outra mente, por favor. Mas mente sinceramente. Não precisa ser todo dia, nem o tempo todo. O tempo todo só me engole.
Me entope de informação desimportante, de risada fora de hora, de cultura inútil. Me ensina todas essas coisas de utilidade pública e grande relevância para a humanidade, como erguer uma sobrancelha só ou encostar a língua na ponta do nariz. Me ajuda a montar um castelo de areia, outro de cartas. Me escreve uma carta? Não precisa dizer nada. Só desenha um coração bem grande no meio da folha. Dentro do coração, coloca as iniciais dos nossos nomes. Eu vou achar bonitinho, cafona, mas bonitinho. As palavras você pode espalhar no tapete da sala, na cama do nosso quarto, no pé do meu ouvido…
Me beija na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê, sobretudo na chuva. A casinha não precisa ser de sapê, pode ser de tijolo mesmo. Me faz correr para entrar na internet só pra ver se o seu signo combina com o meu. Preenche as minhas reticências, ocupa os meus espaços, rouba as minhas horas. Me faz perder a hora. Do trabalho, do dentista, do oculista. Me deixa enxergar mal, eu não quero corrigir o grau das minhas lentes agora.
Não tem problema se você vier de camisa velha, mas vem. Só faz a barba se você quiser. Mas eu vou gostar se você não fizer. E se você fizer é provável que eu goste também. Tá, eu não vou nem notar. Mas se você esquecer de propósito a sua escova de dentes na pia do meu banheiro eu vou perceber. E pior: vou gostar. Vou adorar ter minha liberdade ameaçada por um objeto inanimado.
Trinca os dentes com vontade de me apertar até me sufocar. Me afoga nos teus beijos, mas depois faz respiração boca-a-boca para me salvar. Me leva pro mar, me atira aos tubarões. Se atira comigo. Mergulha fundo até perder o ar. Seja estúpido. Tolo. Menino. Seja faminto. Instinto. Tubarão. Sinta fome de mim no café da manhã que eu me sirvo de você na mesa do jantar. Depois a louça é sua… tá na sua vez de lavar. Eu te ajudo a secar, mas só amanhã, quando eu acordar pra sonhar.
Fica pra sempre até eu terminar de te inventar.
Roberta Simoni
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