"Apesar do medo, escolho a ousadia. Ao confronto das algemas, prefiro a dura liberdade. Voo com o meu par de asas tortas, sem o tédio da comprovação. Opto pela loucura, com um grão de realidade" Lya Luft
quarta-feira, 26 de junho de 2013
SEM ALGEMAS: a moça do sonho: Sou... somos!
SEM ALGEMAS: a moça do sonho: Sou... somos!: a moça do sonho: Sou... somos! : Sou doida de atar num poste e doida de não querer deixar de ser... você me entende? A loucura é válvula d...
(Flaubert, in Madame Bovary)
"Talvez tivesse desejado confiar todas aquelas coisas a alguém. Mas como contar um mal-estar inacessível, que muda de aspecto como as nuvens, que redemoinha como o vento? Faltavam-lhe as palavras, a ocasião e a ousadia."
(Flaubert, in Madame Bovary)
terça-feira, 25 de junho de 2013
BOBA EU
Sei que sou muito comum. Comum feito gente que come maçã. Gente que anda a pé, que odeia domingo, que sente depressão, que mata barata, que lê jornal, que assiste televisão, que paga conta, que deixa cair xícara, que ri dos outros, que não vai à missa, que sente vergonha, que usa roupa do avesso, que não gosta de aniversário de criança, que gosta de laranja.BOBA EU ...fico doente, não vejo tristeza na miséria, eu guardo garrafa de vinho. Eu queria guardar rancor. Queria caminhar pelo centro da cidade, visitar amigo durante o dia, cuspir no chão, brigar no trânsito, achar que poesia é bobagem e, livros, simples pesos de papel. Queria não sentir rubor. Eu só queria seguir a regra. Ser gente feita de perfeita. E, se possível, saber exatamente o que sou.
segunda-feira, 24 de junho de 2013
como seduzir um bicho do mato (Recebi do GILBERTO de Cuiabá)
Fale para mim do sereno que molha...
A rosa e,
Do sol dourado que aquece
O chão.
Fazendo a semente germinar.
Fale das coisas simples,
Com palavras simples!
Do cheiro de café passado,
Que se esparrama pelo ar.
Do bom dedo de prosa
Ao entardecer.
Do grito das crianças correndo
Atrás do brinquedo.
Fale dessas coisas,
Sem medo.
Coisas que entendo e amo.
Da chuva que lava o rosto,
Da brisa que me acaricia,
Do aroma da comida feita
Em fogão de lenha,
Da toada plangente da viola,
Cantando quimeras.
Do canto do sabiá me fale,
Da pomba que arrulha,
Do murmúrio do riacho,
Deslizando entre as pedras,
Ajude-me a piscar para as estrelas,
A namorar a lua me ajude.
Ouça comigo o uivo lastimoso
das raposinhas namorando nos campos.
Tome comigo banhos
De lua, de sol
E cachoeiras!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ande pelada comigo, sem se importar .
.
Aprecie o frescor da sombra.
E me toque com sua mão de seda,
os meus cabelos e aqueça
a minha nuca com seu hálito.
Sei dos aromas da mata, da conversa do vento.
No capinzal. Também sei
dos gemidos das árvores em meio à tempestade.
E quando as formigas se enfileiram ordenadamente ou
Quando teus olhos ficam compridos, pidões
Carregados de desejo,
Também sei o que se passa.
Não sei de champanhes ou vinhos
Mas sei onde mora o doce mel da jati.
Por isso, se assim o queres,
E seduzir-me é o que desejas,
Fale-me das coisas que sei,
Encantando-me fale-me
Das coisas que amo,
Principalmente
De você.
a moça do sonho: Sou... somos!
a moça do sonho: Sou... somos!: Sou doida de atar num poste e doida de não querer deixar de ser... você me entende? A loucura é válvula de escape em forma de prosa n...
quinta-feira, 20 de junho de 2013
domingo, 16 de junho de 2013
RUBEM ALVES
O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção. __________ Rubem Alves
ME EMOCIONOU.... ENTERNECEU
Baby, compra o jornal
E vem ver o sol
Ele continua a brilhar
Apesar de tanta barbaridade...
Baby escuta o galo cantar
A aurora dos nossos tempos
Não é hora de chorar
Amanheceu o pensamento...
O poeta está vivo
Com seus moinhos de vento
A impulsionar
A grande roda da história...
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo
Com seus moinhos de vento...(...)
Todo mundo é parecido
Quando sente dor
Mas nú e só ao meio dia
Só quem está pronto pro amor...
O poeta não morreu
Foi ao inferno e voltou
Conheceu os jardins do Éden
E nos contou...
(O poeta está vivo - Barão Vermelho)
sexta-feira, 14 de junho de 2013
RUBEM ALVES
O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro,
mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde
ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins.
O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro – Rubem Alves
quinta-feira, 13 de junho de 2013
DIA DOS NAMORADOS?
Não há muito o que escrever sobre o Dia dos Namorados e estou desconfiada de que não há muito a dizer sobre praticamente mais nada nessa vida.
Sei lá, hoje é assim. Amanhã.... quem sabe?
Às vezes paira um tédio no ar. Você não sente? Nada de mais. O tédio faz parte da natureza de todas as coisas. É como nossa sombra: não se assuste ou se irrite com ela.
Pra quê constatar alguma coisa? Nada mudará de lugar: estará lá se você quiser voltar depois. Tomara que você tenha mais o que fazer.
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Está escrito: "tudo o que é, já foi, e o que há de ser também já foi, de maneira que não existe novidade alguma debaixo do sol."
Pelo nosso caminho há espelhos espalhados e eles nos remetem ao passado. Tudo o que podemos fazer - e de fato estamos fazendo - é virar rapidamente o rosto e seguirmos em frente. Às vezes adianta, às vezes não.
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terça-feira, 11 de junho de 2013
SAÍ PRÁ LÁ...HOMEM MARAVILHOSO...
Não sei vocês, mas em minha vida de internauta de vez em quando topo com umas mensagens edificantes que me enchem a paciência.
Esses dias foi a vez da história de um homem patologicamente feliz. Acontecesse o que acontecesse ele achava tudo lindo. Furúnculo no traseiro, unha encravada, chifre, sogra em casa, tijolada no carro, CD arranhado, computador com vírus, mulher frígida, filho perdulário, chefe torturador, cantada de viado, goteira, cárie, nada o abalava. Ele estava sempre lá, rente que nem pão quente, dizendo que tava tudo cem por cento. Ele era de teflon, a ira não grudava.
Por quê cargas d'água alguém imagina que ao descrever esse ser "végeto-humano" eu iria ser incentivada a me tornar uma pessoa melhor? Pois quem pensou isso errou feio, porque comigo o efeito foi contrário.
Imagine você conhecer uma pessoa com o pé na desgraça, aí você se aproxima cheio de dó querendo ser útil e o sujeito só sabe dizer que está tudo bem e que "se melhorar, estraga". Pois então te lasca, filho da mãe!
O alegado segredo dessa estranha forma de vida seria o seguinte: quando ele acordava, respirava fundo. Antes de escolher a cueca ou o sapato, ele escolhia ... ser feliz! Só isso. Dá pra aguentar um texto desses?
Será que alguém pode acreditar que uma pessoa dessa é normal? Será que é possível acreditar alguém possa ter inveja dessa estranha criatura?
Pois fique você sabendo que eu me alegro pela minha capacidade de sentir e de reagir aos fatos da vida. Doeu? Eu choro. Machucou? Eu grito. Fez cócegas? Eu rio. Pisar na bola? Eu piso. Depois me arrependo.
Minha capacidade de ficar furiosa não me tira a humanidade, pelo contrário: a reafirma. Por outro lado a incapacidade de sentir a vida como ela é pode nos anestesiar para todo o resto. Tipo: "Se eu consigo ser feliz até com um prego no pé, você tem mais é que deixar de ser frouxo e se virar."
Sinceramente, uma pessoa que não consegue guardar os dentes dentro da própria boca não me causa admiração, causa é desconfiança. E se eu estiver com ele sozinha em um lugar deserto? Sei lá, vai que ele me chupa o sangue!
E o texto edificante ainda dizia que aquela era uma pessoa que a gente gostaria muito de conhecer. Eu não. Eu gosto de gente bem humorada, feliz e otimista, mas ET zen não é muito a minha praia. Sai pra lá.
domingo, 9 de junho de 2013
O AMOR COMEU...
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome. O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos. O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina. O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos. Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina. O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água. O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome. O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel. O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso. O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala. O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte. . “Os Três Mal-Amados”, do livro “João Cabral de Melo Neto - Obras Completas”, Ed. Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.
sábado, 8 de junho de 2013
sexta-feira, 7 de junho de 2013
quinta-feira, 6 de junho de 2013
RECEBI DO LÚ
E assim, depois de muito esperar, num dia como outro qualquer, decidi triunfar... Decidi não esperar as oportunidades e sim, eu mesmo buscá-las. Decidi ver cada problema como uma oportunidade de encontrar uma solução. Decidi ver cada deserto como uma possibilidade de encontrar um oásis. Decidi ver cada noite como um mistério a resolver. Decidi ver cada dia como uma nova oportunidade de ser feliz. Naquele dia descobri que meu único rival não era mais que minhas próprias limitações e que enfrentá-las era a única e melhor forma de as superar. Naquele dia, descobri que eu não era o melhor e que talvez eu nunca tivesse sido. Deixei de me importar com quem ganha ou perde. Agora me importa simplesmente saber melhor o que fazer. Aprendi que o difícil não é chegar lá em cima, e sim deixar de subir. Aprendi que o melhor triunfo é poder chamar alguém de "amigo". Descobri que o amor é mais que um simples estado de enamoramento, "o amor é uma filosofia de vida". Naquele dia, deixei de ser um reflexo dos meus escassos triunfos passados e passei a ser uma tênue luz no presente. Aprendi que de nada serve ser luz se não iluminar o caminho dos demais. Naquele dia, decidi trocar tantas coisas... Naquele dia, aprendi que os sonhos existem para tornar-se realidade. E desde aquele dia já não durmo para descansar... simplesmente durmo para sonhar."
terça-feira, 4 de junho de 2013
PÁRA UM POUCO
Pára um pouco, sem nada para fazer. E veja o medo que temos de não estar respondendo alguma coisa, alguma ordem, alguma urgência.
Pára um pouco, o mundo não vai nos demitir. A família não vai nos demitir. Os amigos não vão nos demitir. Só perderemos o que não somos.
O medo de ser esquecido nos afasta da própria solidão. Transformamos tudo em urgência. Então, não há mais urgência.
Há a imperiosa aparência de se manter ocupado e ativo. Ocupado é reagir cada vez mais rápido no trabalho, no amor, no repertório prosaico. Reagimos, não ponderando se é realmente uma opção, ou apenas uma seqüência. Desvalorizamos as escolhas ao igualá-las.
Não encontrava o carnê do IPTU previsto para pagar na terça. Sofro de azia com a mais remota inadimplência. O purgatório não morreu nos meus intestinos. Nem os juros me aquietam. A paranóia de ser cobrado e perder de repente a fama de honesto (só aqui mesmo a honestidade é fama, não hábito).
Limpei as gavetas do armário. A primeira e a segunda, explorei as reentrâncias de minhas bolsas, os bolsos dos casacos, empreendi uma faxina na dispensa, convoquei a mulher a mexer em suas coisas, meu deus, já não importava achar a maldita prestação, eu amaldiçoava o tempo que estava perdendo ao procurá-la. Foram três horas e os nervos remoídos: deixei de ler livros, de escrever, de assistir filmes, de passear.
Eu me cobrava – de um jeito patético – por não aproveitar meu domingo. Com dois dias de folga, recriminava-me ao desperdiçar parte deles durante a caça de um folheto horrível branco e preto quadriculado. Olha o ponto em que cheguei?
Criei uma oração para diminuir a ansiedade:
Que bom que faço algo que não será lembrado.
As árvores ainda existem quando não estão florescendo.
Amém.
Lembrei de meu avô e sua religião de permanecer meio-turno na garagem aplainado madeiras. Não buscava o reconhecimento pelo material de sua carpintaria, nem se preocupava com exposições. Quando gostava, colocava anonimamente um dos objetos na estante. Nunca assinou as peças. Ele sempre se atrasava para jantar, aparecia na terceira chamada, sentava e saía de novo para lavar as mãos. Ele perdia seu tempo? Ou de minha avó com seu tricô no sofá. Uma malha que daria para um dos netos, enovelada por meses em suas unhas de cera, com o rigor das basculantes se fechando a cada entardecer. Ela perdia seu tempo?
Duvido, ele pensavam seu tempo.
Ainda sentia dó deles, confundia aquilo com tristeza e abandono. De onde eu tirava esse pensamento?
Eles sofriam de solidão porque desfrutavam de solidão para sofrer. A solidão é admirável. A solidão é o caráter do homem. A solidão é a sua fidelidade ao corpo. Continuarei revirando meus papéis, até entender, depois da raiva, depois da minha limitação, que a quinta parcela do IPTU me devolveu o direito de estar em casa.
Não sei se você pensa igual, mas hoje tenho tempo a perder.(Fabricia Carpinejar))
segunda-feira, 3 de junho de 2013
COMETA BOBAGENS
Cometa bobagens. Não compre manual para criar os filhos, para prender o gozo, para despistar os fantasmas. Não existe manual que ensine a cometer bobagens. Não seja séria; a seriedade é duvidosa; seja alegre; a alegria é interrogativa. Quem ri não devolve o ar que respira. Não atravesse o corpo na faixa de segurança. Grite para o vizinho que você não suporta mais não ser incomodada. Use roupas com alguma lembrança. Use a memória das roupas mais do que as próprias roupas. Desista da agenda, dos papéis amarelos, de qualquer informação que não seja um bilhete de trem. Procure falar o que não vem à cabeça, cantarolar uma música ainda sem letra. Deixe varrerem seus pés, case sem namorar, namore sem casar. Seja imprudente porque, quando se anda em linha reta, não há histórias para contar. Leve uma árvore para passear. Chore nos filmes babacas, durma nos filmes sérios. Não espere as segundas intenções para chegar às primeiras. Não diga "eu sei, eu sei", quando ainda nem ouviu direito. Almoce sozinha para sentir saudades do que não foi servido em sua vida. Ligue sem motivo para o amigo, leia o livro sem procurar coerência, ame sem pedir contrato, esqueça de ser o que os outros esperam para ser os outros em você. Transforme o sapato em um barco, ponha-o na água com a sua foto dentro. Não arrume a casa na segunda-feira. Não sofra com o fim do domingo. Alterne a respiração com um beijo. Volte tarde. Dispense o casaco para se gripar. Solte palavrão para valorizar depois cada palavra de afeto. Complique o que é muito simples. Conte uma piada sem rir antes. Não chore para chantagear. Cometa bobagens. Ninguém se lembra do que foi normal. Que suas lembranças não sejam o que ficou por dizer. É preferível a coragem da mentira à covardia da verdade. (Fabrício Carpinejar
VENHA..
Venha, me conte histórias. Comova-me com suas vergonhas mais bobas, revele-me segredos incontáveis. Faça-me participar das suas fotografias, das suas sobremesas, da sua morte. Navegue-me pelos seus pânicos, abra a cortina das memórias inventadas, não negue nada. Acima de tudo, não negue nada.
Mude-me para sua casa, pendure-me junto com as chaves. Esqueça-me. Distraia-me com suas amantes imaginárias. Convide-me à sua solidão. Leve-me ao batizado dos seus fantasmas.
Elogie-me para desconhecidos. Apresente-me seus piores parentes. Comente os versos de que você gosta, um por um. Faça-me sentir o arrepio dos espelhos. Não desista, não desista. Deixe-me nervosa, engolindo pensamentos e mastigando sílabas. Faça-me corar e sentir raiva de vermelhos. Perca-me pela vida. Acenda velas para mim na sua encruzilhada favorita. Reze por mim.
Pegue minha tristeza no colo, tenha pena de mim. Afague-me, acarinhe-me, me dê ombro e sofá. Dê chá e goiabinhas piraquê, cigarros e contos de fada. Lamba minhas lágrimas. Empreste-me seus olhos.
Diga que tenho boca de se perder e olhos de se achar. Enfeitice-me. Invada meus pensamentos nas salas de espera; ria de mim, nunca em sustenidos. Me faça acordar no meio do dia para viver poesia de encontros. Me deixe boba e molenga. Deite-me e cale-me. Faça-me sentir seu peso sobre mim. Esmague-me e invada-me. Me faça gozar à força. Apresente-me o vácuo. (fabrício Carpinejar)
domingo, 2 de junho de 2013
sábado, 1 de junho de 2013
meu coração revirado
DESEJOS
-
Traga-me o mar e as rendas das canoas. Traga-me o chá de ervas que colore as mãos depois do abraço. Traga-me os ombros na véspera do sol. Traga-me a cabeleira de astros e a lareira de grilos. Traga-me a glória do limo e os degraus dentro da estante. Traga-me um rosto surpreso e o gancho da porta para pôr o casaco. Traga-me um pensamento que não foi sentimento. Traga-me o visco mais duro, o céu inconformado, o verde aposentado. Traga-me teu sotaque de praia, teu dialeto de inverno. Traga-me tuas notícias sem jornal, a ambulância da brisa. Traga-me os insetos em frascos e a boca aberta de espanto. Traga-me o ritmo das cartas sendo embaralhadas. Traga-me teu álbum de fotos e as figurinhas repetidas para trocar. Traga-me a conversa de corredor, a porta observada. Traga-me o filho no colo, a carícia dos ouvidos. Traga-me as frutas do pé e a horta do fim da casa. Traga-me as jóias falsas para as pedras disputarem corrida no piso. Traga-me a caridade ainda não descontada, a insatisfação aumentando. Traga-me os milagres que não aconteceram, a garrafa de água. Traga-me a renúncia, as gramíneas em caixotes, a colher do violão. Traga-me o medo da escada em caracol, as tampas de vidro dos perfumes. Traga-me teu nome do meio, a escritura do pessegueiro. Traga-me o cheiro da cidade natal, o estojo de linha e agulha. Traga-me o sótão de teus livros, a letra mais arisca. Traga-me teus problemas incomunicáveis. Traga-me a indulgência infantil ao açúcar. Traga-me o animal de estimação de seus cinco anos e sua desaparição repentina. Traga-me o perdão ao teu pai e à mãe, o pomar das gavetas. Traga-me a manhã depois de ter amado à noite. Traga-me a noite depois de ter odiado à tarde. Traga-me areia fora da ampulheta, o resto de música que fica no copo. Traga-me tua risada, a loucura, o palavrão. Traga-me alguma senha esquecida, algum pente esquecido na bolsa. Traga-me a aparência de quem não chegou a tempo. Traga-me a Bíblia marcada com fita de cabelo. Traga-me os mistérios gozosos. Traga-me a salvo o ainda que não abrimos juntos.(Fabrício Carpinejar)
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