"Apesar do medo, escolho a ousadia. Ao confronto das algemas, prefiro a dura liberdade. Voo com o meu par de asas tortas, sem o tédio da comprovação. Opto pela loucura, com um grão de realidade" Lya Luft
terça-feira, 6 de novembro de 2012
AFETO LITERÁRIO
Na tentativa de agradar todos a flor comum se partiu ao meio. Arrancada de sua natureza singular, tornou-se plural para adornar duplos. E ainda não era o bastante. De suas metades foram feitos simétricos retalhos restantes. E logo a flor multiplicada estava espalhada por outros cantos. A pluriflor cortada serviu de ilustre natureza morta propícia para enfeitar estantes.
(ao retalho restante)
Eu fico me perguntando por que as pessoas precisam dormir tão cedo e, ainda que durmam, acordam cansadas, praguejando estufadas de suas vidas, e as mães, com seus filhos, sorriem em fotos e reclamam de suas crianças como se elas fossem as grandes culpadas por suas frustrações, seus seios flácidos, suas noites mal dormidas, seus coitos interrompidos. E as solteiras, quase sempre sem filhos, estão urrando por homens que existem apenas em páginas de livros. Cinquenta tons de cinza tem a vida. Eu sinto falta de amor porque eu não sei amar. Não sei e ainda não encontrei alguém que me possa ensinar. Mas como se ensina amor? Com quadro e giz? À força? Na ausência? Sinto falta de uma pessoa que não existe mais. Aliás, ela existe. Mora em outro país, está casado e vive feliz (de acordo com as normas da ABNT). Um dia me peguei lembrando e era tudo lembrança opaca e eu senti vontade de resgatar algum momento e, bestamente, salvar algo. Mas há naufrágios irrecuperáveis. Será que ele sabe o que eu sinto? E por que preciso dizer isto? Alguém me falou um dia: Você ainda não o esqueceu. Mas é claro que não o esqueci. Mas não por ele. O sujeito é apenas um homem de barba, cheio de traumas, e talvez ele tenha se tornado hipócrita. Eu não o esqueci porque aprendi, aos trancos, que passado bem tecido não larga de minha pele como se fosse tinta guache. Penso nas folhas que caem da árvore. Varrer todos os dias as folhas. Deixar tudo limpo. E, no dia seguinte, varrer novamente porque sempre haverá folhas para varrer, necessidade de comer, algo que nos faça sentir mal ou que nos faça sentir bem, um falso amigo, um calo nos pés ou nas mãos, um diabo a nos tentar, um deus a flagelar, alguns colapsos e muitos dias de pó guardados. E continuaremos a dormir cedo, embora saibamos que acordaremos sempre cansados.
(LETÍCIA PALMEIRA)
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